Sebastião da Gama
Jovem poeta, jovem professor, jovem ambientalista. Na vida de Sebastião da Gama (1924-1952) aconteceu tudo muito cedo e de forma intensa. Começou a fazer poesia ainda estudante, a todos cativava pela generosidade e simplicidade das palavras e dos gestos. Fez o estágio para professor de português na escola Comercial Veiga Beirão, experiência letiva que narrou no seu “Diário” publicado em 1958. Defendia uma relação de proximidade entre aluno e professor, dizia que “ensinar é amar”. O longo texto, uma reflexão pedagógica, marcou gerações e é tido como exemplo a seguir, estando atualmente na décima terceira edição.
Nascido em Vila Nogueira de Azeitão a 10 de abril de 1924, Sebastião da Gama terá problemas de saúde que, por indicação médica, o levam ao ar puro da serra da Arrábida, no concelho de Setúbal. Rodeado por todas as tonalidades de verde, com o mar ao fundo, escreve verdadeiros hinos à natureza e desenvolve uma consciência ambiental. A defesa do seu “paraíso” que começava a ser destruído pelo asfalto das estradas, inspira a fundação da Liga para a Proteção da Natureza, em 1948, a primeira associação ambientalista portuguesa.
O MENINO GRANDE Também eu, também eu, joguei às escondidas, fiz baloiços, tive bolas, berlindes, papagaios, automóveis de corda, cavalinhos... Depois cresci, tornei-me do tamanho que hoje tenho. Os brinquedos perdi-os, os meus bibes deixaram de servir-me. Mas nem tudo se foi: ficou-me, dos tempos de menino, esta alegria ingénua perante as coisas novas e esta vontade de brincar. Vida! não me venhas roubar o meu tesoiro: não te importes que eu ria, que eu salte como dantes. E se riscar os muros ou quebrar algum vidro ralha, ralha comigo, mas de manso... (Eu tinha um bibe azul... Tinha berlindes, tinha bolas, cavalos, papagaios... A minha Mãe ralhava assim como quem beija... E quantas vezes eu, só pra ouvi-la ralhar, parti os vidros da janela e desenhei bonecos na parede...) Vida! ralha também, ralha, se eu te fizer maldades, mas de manso, como se fosse ainda a minha Mãe. Sebastião da Gama, in 'Itinerário paralelo' Meu País Desgraçado Meu país desgraçado!… E, no entanto, há Sol a cada canto e não há Mar tão lindo noutro lado. Nem há Céu mais alegre do que o nosso, nem pássaros, nem águas… Meu país desgraçado!… Porque fatal engano? Que malévolos crimes teus direitos de berço violaram? Meu Povo de cabeça pendida, mãos caídas, de olhos sem fé — busca, dentro de ti, fora de ti, aonde a causa da miséria se te esconde. E em nome dos direitos que te deram a terra, o Sol, o Mar, fere-a sem dó com o lume do teu antigo olhar. Alevanta-te, Povo! Ah! visses tu, nos olhos das mulheres, a calada censura que te reclama filhos mais robustos! Povo anémico e triste, meu Pedro Sem, sem forças, sem haveres! — olha a censura muda das mulheres! Vai-te de novo ao Mar! Reganha tuas barcas, tuas forças e o direito de amar e fecundar as que só por Amor te não desprezam! Sebastião da Gama, in 'Cabo da Boa Esperança'
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